3/01/2007

Darwin, Rousseau e Nietzsche

Gênero conto


Estava entrando no consultório da Dra. psiquiatra, mas antes disso...
Vinha num ônibus maldito de tão quente, infernal, suando e de saco cheio. Ainda tive que descer e andar mais umas quadras. Resolvi cruzar a rua no meio da quadra, onde não havia faixa de pedestres. Espertão. Quando cruzei, fiquei no meio do canteiro da Avenida Vergueiro sem poder atravessar (faz de conta que é essa mesmo porque eu sou perdido) pois havia uma cerca que impedia pedestres de cruzarem fora da faixa, evitando assim, acidentes. Resolvi pular a cerca. Claro que não pulei, não queria passar por cidadão deselegante, malandro que faz feio, sabe, aqueles que jogam lixo no chão? Então, não queria fazer isso. Ainda estava com receio de não conseguir e cair na frente de todos.

Então disfarcei.

Disfarcei por quê? Disfarcei porque imaginava alguém me observando. Isso, havia alguém me olhando. O cara da banca de jornal.

Antes de tentar cruzar, quando eu estava quase na avenida, perguntei a uma pessoa numa banca de jornal, “a rua Sampaio Viana, amigo”, ele disse, “que que tem?”, “o senhor sabe onde fica?”, “sei”, daí eu, entendendo o joguinho dele, falei; “então, o senhor pode falar onde é que fica a rua Sampaio Viana?”, ele me respondeu “claro que posso falar”, “então, onde fica a rua?”, “mediante um ‘bom dia, eu digo’”. Entendida a mensagem, ele me chamou de mal educado. Ok. “Bom dia, o senhor sabe onde fica a rua Sampaio Viana, por favor?”. “Três quadras pra lá você vai ver um semáforo, atravessa pela faixa, e você vai ver uma galeria, cruza por dentro e pronto, já vai sair nessa rua”.

Era esse cara da banca de jornal que me agora observava. Ele analisava cada erro que eu cometia, de não ter dito “bom dia”, de não ter atravessado na faixa. Então eu fingi, no meio da avenida, que estava procurando um número. Um número de residência ali? Mas ele sabia onde eu queria chegar. Será que este disfarce não deu certo? Daria, pois o cara da banca iria pensar que eu não acreditei na explicação dele, que não dei crédito para suas palavras gentis. Eu o atingiria desta forma. Nunca mais o cara da banca de jornal se meteria com alguém do meu tipo, tenho certeza disso. Ou será que ele não entendeu? Será que ele me chamou de idiota quando me viu disfarçando?

Dono da banca balançando a cabeça: idiota! Nossa! Que cara mais imbecil! - tudo em meu pensamento.

Daí eu cruzei rápido antes que ele me olhasse novamente. Quantas vezes ele me olhou? Uma, duas, três? Eu não consegui contar, aliás ele é tão bom nisso de observar que eu nem vi ele me olhando. O cara é especialista. Que perigo, um cara desses solto nas ruas. A polícia deveria pegar esse fascista. Perseguindo os outros assim. É horrível a sensação de ser observado, analisado e julgado, ainda mais à distância, sem poder se defender...

Atravessei a galeria depois de cruzar obrigatoriamente na faixa, para finalmente o outro lado da avenida.

Achei o consultório da Dra. Lagonegro.

Este nome me fez pensar em Guerra nas Estrelas. Lagonegro, Ladonegro.
Deixa pra lá.

Sala de espera quente. Mas infelizmente fui chamado logo. Infelizmente porque eu estava escrevendo tudo o que o calor do maldito ônibus me fez vivenciar e pensar. Acabei não conseguindo concluir naquele papelzinho bonito que a recepcionista havia me dado. Eu até que escrevia com letras legíveis mas foi curto o tempo. Escrevia sobre a tortura do ônibus e a nossa tortura existencial.
Seguinte, essa merda de destino que as pessoas falam, será que quem criou isso foi Darwin ou Rousseau?

Olha só, tem um babaca aí que falou que são suas escolhas que dizem quem você é. Frase utilizada (e adorada) por aqueles caras que fazem entrevista, psicólogos, empresários, sabidões... mas ela é perigosa. Ela esconde um falso ideal.
As escolhas que fazemos estão submetidas ao pensamento, e é este filho do cérebro, que é um órgão do corpo humano, que tem suas características definidas pela carga genética vinda de seus pais.


O ambiente em que você vive é determinado pela sua capacidade de gerar riquezas e cultura. Porque se você se encontra neste nível sócio-cultural é porque seu corpo e sua mente permitem que isso seja possível. Eles te dão capacidade, talvez até a ânsia, para fazê-lo.
O momento é você mesmo quem escolhe. Seu pensamento. Sem querer é você quem acaba se colocando em determinadas situações, são suas capacidades que te fazem estar em certos lugares em certos momentos.
Desse modo você estará sempre dentro dos seus limites e nunca sairá. Jamais conseguirá se superar. Pois se você realizou tal tarefa é porque tinha capacidade para isso. Não há superação, como se uma pessoa que soubesse suas características genéticas e estivesse te assistindo nunca fosse se surpreender com um ato ou conquista sua. Um boneco totalmente previsível. Será então que devemos lutar pra sermos o que já somos?
Para termos o que já é nosso? É como se tudo já tivesse sido escolhido.
Será que na verdade, seus pais definem quem você é e seus avós definiram quem seus pais são?

Bom, o fato é que não quero pensar assim, prefiro achar que sou livre, satisfeito e que vou ter sucesso e ter mais satisfação. E essa felicidade vai gerar sucesso e esse ciclo vicioso será infinito e eu serei um velhinho feliz. Que meus netinhos vão se orgulhar do velhinho e de meus grisalhos cabelos modernos. Um velhinho porreta ou doidão. Quanto sucesso!

É isso e pronto! Essa coisa de destino darwinista ou rousseauniano é um lixo.
Nem sei por que pensei nisso...

AQUI ENTRA OUTRO CONTO.
TALVEZ A DO EXISTENCIALISMO SOBRE A MESA.
“aqui termina a estória do existencialismo sobre a mesa”


Dias depois.

Aquela história de Darwin e Rousseau serviu pra alguma coisa.
Certa vez conheci uma menininha bonita, aspirante romântica a atriz. Cheia de grandes vontades e ideais.
Boca rosada, corpo a altura das aspirações.
Lolita.
E agora a reencontrei num desses testes de teatro, com um auditório cheio de jovens atores e estudantes esperando para a avaliação.
Esta menina disse que não sabia mais se seria atriz ou se partiria pra outra.
Pronto. Prato perfeito. É a deixa que o grande ator estava esperando:

ELA - Ai ai. Não sei se continuo, me decepcionei muito com este mundo... mundo vazio, fútil, pessoas interesseiras que só querem derrubar umas as outras, gente vaidosa que só vê a si mesma. Um dia elas se afogam!
EU - Eu acho que você deve escolher. Só você sabe o que seu coração diz. Boa sorte na vida. Suas escolhas de hoje dirão quem você é no futuro – Nossa, como eu sou hipócrita! Falei mal do cara e estou aqui repetindo seu discurso – em pensamento!
ELA - Ai que lindo! Espero que eu esteja acertando mesmo, dá um medinho, né?
EU - Sempre dá... mas parece que as escolhas que fazemos já estão feitas, antes de escolhermos, você sente isso?
ELA - Eu sinto! Eu acho que a nossa parte de escolha é bem pequenininha perto do caminho que já está traçado! Ai que medo!
EU - Parece mais mágico que isso... parece que já está tudo escrito e não podemos fazer nada, só lutar pra termos o que já é nosso! Louco, não é? – Eu me contradizendo!
ELA - É um jeito legal de encarar, não gosto de pensar que temos 50% de chance de dar errado, prefiro acreditar que algo quer que eu dê certo!
EU - Eu não penso nada, vou lá e faço, só quando paro pra pensar onde estou me levando é que tiro minhas conclusões... alguns desejos devem ser realizados... Talvez a culpa possa nem existir depois, pois certas atitudes devem ser tomadas sem serem pensadas, alguns prazeres só são possíveis se o lado racional não existir. Se entregar às tentações é a melhor maneira de acabar com elas, e você nunca se arrepende – encaminhando a conversa para um lado tendencioso.
Eu continuo - As tentações merecem ser experimentadas!

Percebendo a reflexão dela:

EU - Mais uma coisa, você tem cara e jeito de atriz, sabia? Não por fora, mas atriz por dentro, atriz de verdade, daquelas que fazem teatro e cinema, de personalidade. Que fazem as outras pessoas quererem fazer teatro, inspiradora! – tentando encaminhar para aquele assunto tendencioso.
ELA - Ah obrigada! Isso pra mim é um grande elogio! Eu também acho que por dentro eu sou atriz, mas nunca encontrei um lugar pra isso...
EU – Mas você encontrará... eu sofri muito na época em que era estudante de artes, até perceber que aquelas pessoas vazias são adultos com mente de crianças, pessoas cegas, bobas, inofensivas, que não chegam nem perto de mim... elas vão todas se afogar nas águas de seus reflexos...
ELA - É, eu queria ser igual você...mas não consigo...penso demais o tempo todo...

Risadas.

EU - Eu também penso muito. - Sorriso. - Melhor deixar pra lá...
ELA - Fala. O que você pensa?

Ela ainda sem malícia, pelo menos não como a minha.

EU - Eu penso, não nisso, penso que a vida é uma película bem fina! E tudo está sendo filmado agora!

ELA - Eu sempre vejo pessoas que são adultos com mente de criança! Mas não no sentido Pequeno Príncipe... – voltando ao assunto de cinco falas acima.

Ai que meiga!

EU - Entendo, é nesse mesmo que eu falo, povo totalmente dominado! Então resolvi não deixar nada me atingir... Só mergulhar no que faço... estudar eu já estudo. É só ser verdadeiro que você se torna autêntico, a assim já se destaca dos tolos... Comecei a me jogar em tudo, se eu sentisse vontade eu fazia. Atitudes libertadoras, de quem sabe o que quer! Não dava rédeas aos meus desejos...
Tentando encaminhar o assunto novamente... mas ela...
ELA - Dominado por quem?

Então, numa avalanche sem retomada de fôlego para acabar de vez com esse assunto e ir direto para o “outro”.
EU - Dominado por necessidades, dinheiro, poder, fama, aparecer, destaque, necessidade de aprovação, necessidade de parecerem pessoas felizes, eficientes e satisfeitas, o que na verdade não são... pessoas normais são raras... o normal é ser raro.
ELA – Hahaha! Nossa! Eu sei o que você quer dizer...

Mais avalanche.
EU – As pessoas são insatisfeitas, por isso, infelizes, e na verdade você encontra a felicidade junto com outras coisas, com a paz e com o amor, só assim, não há outra maneira.

Diminui a avalanche e agora é um delicado cair de neve.
EU - A satisfação está juntinha da felicidade e do amor, entende?
ELA – Acho que sim – quase entrando na minha.

Mudando subitamente.
ELA - Ai, muito louco isso!
Eu puto.
EU - O louco é aquele que não se encaixa no nosso modo de pensar e esse nosso pensamento coletivo fomos nós que criamos, não eu e você, mas pessoas que vieram antes de nós que são chamadas de normais. Quem disse que se os loucos tivessem criado um modo coletivo de pensar nós não seríamos os loucos?
ELA – Eu não sou louca!
EU – Eu sou!
ELA – Como assim?

Será que ela tem problema? Ou eu que não percebo algo de errado nisso tudo? Ela deve estar filmando isso, não é possível! Só me falta essa, vai mostrar para as amigas. E agora? Nunca mais consigo uma mulher. Não tem nenhuma câmera aqui. Ali... ali... O que é aquilo? Vulto. Droga, nunca quis usar óculos. Agora fudeu. Não é câmera não. Não pode ser. Pior que é mesmo. Fudeu.
Não, é um saco preto. É um saco! Fudeu. Tenho que dar um jeito de dispensar a lolita. Não vai rolar. Será que as pessoas que têm afinidades conosco é porque tem tendência a ter, ou será que se nos esforçarmos e dissermos o que elas querem ouvir conseguimos conquistá-las? Será que se meus mais são pessoas pacatas ou introspectivas eu nunca vou conseguir ser aquele cara famosão conquistador? Não posso conseguir ser um artista nem com a a exaustiva e excessiva capacidade de repetição? Nem que eu faça especialização nisso? Será que meu cérebro não muda mesmo?
A lolita adorou a conversa mas o celular dela tocou. Era o namorado. Brigaram. Ela me contou depois que ele é 16 anos mais velho. Que ele não gosta de teatro. Que é coisa de viado e de mulher safada. Que se ela fizesse aquele teste, pior ainda, se fosse continuar a levar pra frente “essa coisa de querer ser artista”, ele largaria dela.

Fizemos o teste, um de cada vez. Fui embora e nem sei dela.

AQUI ENTRA OUTRO CONTO.
TALVEZ A DA JANELA DO HOMEM QUE BUSCA O PERFEITO.
“aqui termina a estória do homem que...”


Dois meses depois encontrei a lolita:
EU - Oi, eu nunca mais te vi. Não tem ido mais nos testes?
ELA - Não. Eu descobri que não sirvo pra isso. As pessoas não são boas nesse mundo das artes. Elas querem abusar da gente e nos dominar.
EU - Entendo. – Pensei no namorado dela, será que ele também não quer abusar e pior ainda, já a dominou?
ELA - Estou mais feliz assim, vou ser aeromoça. – e um sorriso apático descoloriu seu rosto, sem me convencer de nada. Já não era mais aquela lolita que me atraiu. Ela quase estampava a marca da arroba na sua carne.

Será que seus genes já previam isso?

E eu ainda me orgulho.
Será quem realmente lida com monstros pode se tornar um?
Será que quem se torna monstro é por que já nasceu com genes propícios a sê-lo?

Humano demasiado humano!

fevereiro de 2007

3 comentários:

Liv Araújo disse...

Gosto da sua insistência em destrinchar os meandros da alma humana... ;-)

Anônimo disse...

depois de encontrar a pasta rosa, ter internet, um dia de sol e ler este conto, me sinto bem melhor!
dei boas risadas com o canteiro da rua vergueiro e sorri com a história de lolita.

parabéns sir alex!
bj

Anônimo disse...

Essas coisas que acontecem nas ruas são demais... Acho que o cara da banca é que estava te filmando, não a atriz! haushausha
Vou indo nessa...acho q vou pesquisar sobr os genes da minha família... Oo
hausahush
beijão!
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